quinta-feira, fevereiro 21, 2008

O desfecho, a french toast ou beijoemeliga

Era hora de dizer tchau. Digo que vou embora e ele diz que estará pronto em um minuto.
- Você não precisa ir.
- Claro que vou, imagina...
- É sério. Você vai viajar às 13h
- Dá tempo.
- Então me leve só até o metrô, já é dia, chego numa boa.
- Não, eu vou. (em tom de "e isso não é discutível, Karen Cunha")
No metrô decido que vou descer na Times Square, que é a estação que dá acesso a diversas outras linhas (como uma Sé, mais caótica ainda) e tentar comprar o maldito "Rock Band Special Edition for Playstation 2" que meu irmão havia me implorado pra comprar.
O clima era de fim, de nada mais importa, mas ele agia como se nada tivesse acontecido, traça planos para as férias de 2008 e quando reitero que dificilmente conseguiria viajar no fim-do-ano surge o plano de viagem dele para o Brasil. Ele queria alugar um carro e sair por aí, mas explico que a distância entre os estados aqui é gigantesca...
Ele se empolga com a idéia, mas no fundo eu sabia que isso não aconteceria e que dificilmente o veria de novo. Estava triste, mas exercitei o desapego.
Ele disse que sempre quis ir pra China, eu digo que acho que só terei vontade de ir lá daqui 8 anos, então ele estendeu a mão e disse "está combinado então, daqui 8 anos a gente vai". Digo que ele está responsável por aprender a falar chinês, afinal, não tinha nem certeza se aprenderia falar inglês até lá.
Descemos do vagão, peço pra ele não sair da estação e pegar o metrô de volta. Ele diz que vai subir e me acompanhar até o limite da hora de voltar.
Era uma manhã bastante fria e horrenda, ele me oferecia a mão como se tudo estivesse bem, mas eu sabia que não estava. Seguimos andando pelas ruas vazias e falando sobre como estaríamos daqui a 8 anos. As lojas ainda estavam fechadas e os lugares (que normalmente eram atolados de gente) pareciam tristes. A cidade era outra.
- Eu estarei com 33 anos.
- Eu também. Velho, não?
- Nossa, com 33 eu já tenho que ter dinheiro, um trampo decente, ser diretora de alguma galeria e ter morado um tempo em NY.
- Mas seu trabalho já é incrível...
- Ah mas, não vai durar muito, além do mais eu não ganho o suficiente e por favor, tenho estar muito melhor daqui 8 anos.
Ele se chateia:
- Eu não me importo com dinheiro. Acho que ser feliz é bem melhor.
- Ah, mas uma coisa não anula a outra - respondo
- Uau, sua filha vai estar com 13 anos!
- Não, Karen, 11... Nossa não quero nem pensar nisso.
- Ela vai te dizer coisas como "Pai, vou dormir na casa do Paul pra fazer um projeto de ciências” ·
- Pára com isso, Karen.
- E você vai ficar uma fera...
- Eu não quero nem pensar nisso, ela já não me respeita agora e... (ficando nervoso de verdade)
Ele encerra o assunto, puto da vida, eu me divirto fazendo todo tipo de provocação.
Passamos pela MTVstore e lá estava o maldito Rock Band, a maior caixa do mundo, ele levanta uma questão importante:
- Karen, como você vai levar essa caixa pra Europa?
- Ahhhh jura que vou carregar isso, né? Vou mandar entregar, nem quero saber.
Ele fica aliviado, mas vemos que ainda faltavam 2 horas pras lojas abrirem, então andamos procurando por outras.
- Quero tomar café da manhã! - Digo eu.
- Vamos. - Indicando o café de um hotel.
Tento entrar, mas ele me impede dizendo que ali deveria ser caríssimo e era apenas uma piada.
Era minha última manhã na cidade, eu não estava me importando muito com dinheiro. Queria comer algo realmente bom, afinal nada do que tinha comido até agora tinha sido ao menos aceitável e havia economizado ao máximo.
Entramos em uma Deli, peço um chocolate quente e digo pra ele escolher o que quiser.
- O que você quer dizer com isso?
- Que é por conta da casa.
- Não, vou comer em casa, vou fazer alguns ovos e...
- Coma aqui logo, até você chegar em casa...Além do mais é nosso último café da manhã.
- Você não vai me pagar coisas, não posso aceitar isso. Aliás, você deveria parar de gastar dinheiro, pois vai viajar, assim como eu.
- Como assim eu não posso te pagar nada? E você pode? Tenha dó, não? Mas Ok, se isso te faz feliz, você pode gastar até 15 dólares e pode comer ovos, presunto, bacon e todas essas coisas nojentas que vocês comem.
Ele aceita contrariado, sabia que eu não ia desistir tão cedo. Não gastou nem 3. Meu chocolate chega.
- Como está? - Pergunta ele.
- Pior ainda que todos os outros que já tomei nesse país. Por que vocês têm tanto desprezo pela humanidade? Tem gosto de leite de soja com água e achocolatado vagabundo. Que horror!
Ele se diverte com os meus comentários, sempre discutíamos por causa de comida.
- O que vai comer? Vou pedir um lanche especial de presunto, bacon e ovos pra você... - Rindo
- Me indica algo americano sem carne e sem nojeiras?
- Tem água, já tomou?
- Sério, vai. Queria sei lá, pão com manteiga...
Ele pede uma french toast pra ele e vai dando indicações para o atendente sobre o meu lanche. O homem tira uma coisa branca de um pote e passa na fatia do pão de forma.
- O que diabos é aquilo?
- Manteiga.
Fiquei com medo de ser manteiga mesmo, pois o cara havia tirado 2 kilos de dentro do pote e jogado na chapa. No final, meu lanche quase parecia um pão na chapa feito pelo tio do suco perto da minha casa. Obviamente o gosto não era o mesmo, mas depois de todos os traumas alimentares que havia passado nos Estados Unidos, aceitável queria dizer excelente.
Resolvo perguntar o que era uma french toast e recebo a explicação de que era um pão frito na manteiga, com ovo, leite e blábláblá. Fiquei em estado de choque. Por que diabos se chamava French Toast? Duvido que alguém comesse algo assim na França...
Quando "a coisa" chega, não parecia tão feia quanto imaginei. Se não soubesse do que era feita até teria arriscado. Ele me obriga a comer um pedaço e constato que não é tão ruim. Ele debocha dizendo que eu tinha achado bom e não queria dar o braço a torcer.


A french toast...

Saímos da Deli e continuamos a esperar pelas lojas. Passamos em frente à biblioteca pública e descobrimos que lá estava tendo uma exposição sobre o Kerouac , mas a biblioteca ainda não estava aberta. Depressão.
Na seqüência descubro que "Spam a Lot" musical dirigido pelo Eric Idle (Monty Python) também estava em cartaz e que eu ia embora sem ver. Penso em suicídio.
As 9h30, ele constata que precisa ir embora, vou com ele até a estação e nos despedimos rapidamente.
- Me escreve pra contar como foi sua viagem? - Diz ele.
- Não, você escreve, afinal vai chegar depois de mim.
- Tá bom (rindo), E-U te escrevo. Vou te ligar às 0h do dia 31 pra desejar Feliz Ano Novo se seu celular estiver funcionando, ok?
- Legal, acho que vai estar sim.
- então...
- Divirta-se um monte no Hawaii. Te vejo no ano que vem - digo isso sem certeza alguma.
- Espero que sim.
Ele me beija timidamente.
- Não, quero um beijo de verdade, Mister America.
Ele ri (eu havia dito exatamente a mesma coisa um ano atrás) e então me dá um beijo longo, sem se importar com o que os transeuntes vão pensar daquele PDA (Public Display of affection)*.
Observei ele descer as escadas e tive certeza que aquela havia sido a última vez que veria Mr. G.
No dia 4 de janeiro ele me escreveu um email curto pedindo desculpas por não ter ligado no reveillon, pois havia esquecido o cel em NY, e querendo notícias minhas.
Resolvo escrever só depois do carnaval, mas antes disso recebo outro email apenas dizendo "I´m sorry" no título e no corpo da mensagem.
Fico de coração apertado, mas mesmo assim demoro alguns dias para lhe responder resumindo minha viagem de forma divertida.
Nenhuma resposta.

E assim acaba definitivamente a história do Mr. Gardner e começa uma outra bem mais pesada (no sentido literal da palavra) : Karen Cunha e a caixa gigante conquistam a Europa.

* Eu sou uma Perfectly PDA... E VOCÊ?